Biblioteca de Ondame

Em Janeiro de 2010, partiu para a Guiné, juntamente com mais um grupo de voluntários, o sonho de criar uma Biblioteca em Ondame. Pretendia-se assim proporcionar uma casa às centenas de livros doados e um local de cultura, de estudo e de abertura ao Mundo, para toda a população local. Chegados a Ondame, encontrámos o local adequado à nova Biblioteca: um pequeno edifício, que durante alguns anos serviu como armazém, localizado entre a Clínica Bom Samaritano e a Maternidade.

A futura Biblioteca necessitava de algumas reparações e começámos então a reparar o telhado, rebocar e pintar as paredes, pintar as janelas, construir prateleiras, arranjar cadeiras e mesas e assim de um velho armazém renasceu uma Biblioteca com mais vida, mais luz e mais dinamismo.

Ao mesmo tempo que este trabalho de renovação e obras era realizado, outros voluntários tratavam de catalogar, registar e etiquetar cada livro, de acordo com as informações e sugestões fornecidas pela Biblioteca da Póvoa de Varzim, com quem estabelecêramos contactos prévios. Cerca de 1000 livros foram então colocados na Biblioteca, que a 2 de Fevereiro de 2010, abriu as portas à população de Ondame. Para que a Biblioteca pudesse estar aberta ao público diariamente, contratámos um jovem guineense da etnia papel - Lázaro Yé - que passou a ter um trabalho regular e a auferir um salário digno. Foi-lhe dada formação e definido, em conjunto, o modo de funcionamento diário da Biblioteca, nomeadamente as formas de requisitar livros, a ocupação da biblioteca, a limpeza e manutenção do local, etc.. A Fundação João XXIII tinha assim dado vida a mais um projecto e criado um novo posto de trabalho!

Logo após a abertura da Biblioteca regressámos a Portugal e durante o resto do ano fomos recebendo informações sempre muito positivas e encorajadoras, sobre o funcionamento da Biblioteca. Sabíamos que muitos alunos acorriam diariamente a este local para estudar, consultar livros e fazer trabalhos de pesquisa, umas vezes por iniciativa própria, outras por indicação dos seus professores. Era para nós uma grande satisfação saber que a Biblioteca estava a ser um sucesso e que o Lázaro cuidava desta com muito orgulho e estima.

Em Janeiro de 2011 regressámos a Ondame e as expectativas aumentavam, o coração batia mais depressa à medida que se aproximava o dia em que voltaríamos a entrar na Biblioteca! Na mala levávamos um novo projecto: dotar a Biblioteca com computadores (obtidos através de vários donativos de empresas e de pessoas particulares) e dar formação em informática a professores, para lhes dar novas competências.

Chegámos a Ondame ao fim da tarde do dia 20.01.2011 e na manhã seguinte, às 9h00 da manhã estávamos à porta da Biblioteca, para a sua abertura! Foi uma emoção muito grande encontrá-la de novo, falar com o Lázaro e ver que o nosso empenho tinha criado frutos! A Biblioteca encontrava-se impecavelmente tratada e mantida e o Lázaro estava muito feliz e orgulhoso do seu local de trabalho. Tivemos a sensação que podíamos voltar para Portugal nesse momento, pois o nosso projecto estava em muito boas mãos.

Soubemos também que a Biblioteca tinha acolhido mais livros, vindos de um liceu local e de donativos e contaram-nos, com agrado, que a lotação de apenas 10 lugares se tornara muitas vezes insuficiente, obrigando os utentes a aguardarem cá fora pela sua vez para entrarem. As ideias para uma futura ampliação começaram a nascer!

Por sua vez, o Lázaro estava muito satisfeito com o seu trabalho e com o acolhimento que a Biblioteca teve na população estudante. É importante relembrar que na Guiné não há manuais escolares nem livros de carácter geral (romances, policiais, épicos, de ficção, etc.), o que torna extremamente difícil o estudo mais aprofundado das diversas disciplinas, bem como a promoção da leitura, do saber e da abertura a outras realidades. É por isso uma grande mais-valia esta Biblioteca para o desenvolvimento local de competências e habilitações.

Além do conteúdo de uma Biblioteca, que deve ser adequado às realidades locais, o funcionamento, manutenção e preservação do espaço físico são factores de grande importância para o tornar aprazível e funcional. Neste sentido, e por iniciativa própria, o Lázaro implementou algumas medidas importantes, que muito nos agradaram:

1. Antes de entrar na biblioteca, cada pessoa deve lavar as mãos num balde colocado à entrada para esse efeito (de lembrar que não existe água canalizada…)
2. Antes de entrar na Biblioteca, cada pessoa deve descalçar-se,
3. Diariamente a Biblioteca é varrida e lavada, e semanalmente é feita a desinfestação da formiga bagabaga (que ataca violentamente a madeira, adobe, etc.)
4. Elaborou-se uma placa informativa sobre a localização da Biblioteca, que foi colocada na paragem do autocarro

No dia 24 de Janeiro reunimo-nos com os directores das escolas, liceu e infantário, alguns professores e o Lázaro, para explicar o âmbito da formação, prepará-la e também para fazer um ponto da situação, relativamente à Biblioteca. Foi gratificante confirmar novamente que a maior parte dos professores incentiva os seus alunos a frequentarem a Biblioteca, para fazerem pesquisas ou estudar, e que estão muito contentes com este local. Outros professores, porém, ainda não tinham ido visitar a biblioteca….e por isso no fim da reunião fomos todos “de forma voluntária” fazer uma visita guiada.

Nos dias seguintes preparámos os computadores para a formação e invariavelmente deparámo-nos com os habituais contratempos…Precisámos de instalar o Office 2007, que vinha num DVD…mas nenhum dos computadores lia DVDs…; quando conseguimos resolver este problema, copiando o software para outro suporte, apareceu outro contratempo… o Windows 2000 que vinha instalado nos computadores, não permitia a instalação do Office 2007…, mas as peripécias não se ficaram por aqui! A meio da instalação do software faltou a luz por falta de gasóleo no gerador…. Tudo isto é a realidade em Ondame, e tudo isto faz parte do charme daquela terra, daquela realidade, tão diferente da nossa…

Finalmente no dia 25 de Janeiro iniciámos a formação em Informática, com 28 alunos divididos em 4 turmas, sendo quase todos professores, além do Lázaro. Apenas 4 ou 5 formandos tinham tido algum contacto com computadores, o que nos deixava um universo de cerca de 20 pessoas que NUNCA tinham tocado sequer num computador! Foi uma aprendizagem, para eles e para nós também, pois o que muitas vezes é tomado como “garantido”, “óbvio”, “normal”, “básico”, ali, em Ondame, onde ninguém tem luz eléctrica nem água canalizada em casa, e as casas são feitas de terra, estes termos ganham uma dimensão completamente diferente… e uma Biblioteca, com luz eléctrica e computadores, assemelha-se um pouco a uma nave extraterrestre…

Ao longo das duas semanas de formação fomos caminhando juntos, perdendo o medo aos computadores, ao desconhecido…fomos descobrindo capacidades e potenciais escondidos e crescendo a certeza que o que cada Ser Humano precisa é de ter uma oportunidade para mostrar o seu valor, seja em que área for… Deixámos a Biblioteca com 3 computadores prontos a serem utilizados pela população e por quem queira aprender um pouco mais, e uma impressora multifunções, permitindo tirar fotocópias. Desta forma, dando um pouco de nós, plantámos em Ondame uma grande semente para o futuro: uma semente de cultura, de educação, de novas aprendizagens, que esperamos que dê frutos, em breve.